29.4.16

ARTE E EMANCIPAÇÃO

Coluna Arte e Identidade, por PASSEPARTOUT
Versión castellana

As diferentes etapas na vida de um judeu, gravura alemã baseada em ilustração pintada à mão, 1890

Durante o século 19, a arte judaica ritual continuou em permanente desenvolvimento. Contudo, o impacto da Hascalá logo se fez sentir no seio das diferentes comunidades judaicas da Europa. O contato agora mais fluido com as majoritárias comunidades não judaicas resultou em novas fontes de inspiração. Aos artesãos judeus somaram-se gradualmente os artistas judeus. Os pintores, por exemplo, desenvolveram o retrato e representaram diversas cenas da vida judaica e inclusive temas bíblicos. A assimilação, por outro lado, conduziu, em alguns casos, a uma certa abertura e inclusive à integração.

Dentro da arte realista, o costumbrismo caracterizou boa parte da pintura judaica do século 19. Em um quadro intitulado Uma controvérsia qualquer a partir do Talmud (1860-70), Carl Schleicher captou os gestos e atitudes de vários rabinos e judeus ortodoxos em pleno debate. Com picardia, o artista estampou as expressões de convicção ou rechaço, assombro ou dúvida próprias dos participantes do debate. Ao retratá-los, Schleicher parece fazer troça deles, ridicularizá-los. O tema, neste caso, é tradicional, mas o motor que inspira a obra tende a ser irreverente, uma vez que relativiza e chega mesmo a questionar o possível valor do debate talmúdico.

Schleicher, Uma controvérsia qualquer a partir do Talmud, 1860-70

Oriundo da Polônia, Maurycy Gottlieb foi aclamado por seu quadro Judeus orando na sinagoga em Iom Kipur, de 1878 (Museu de Arte, Tel Aviv). Porém, não menos representativo dos questionamentos próprios do artista é o seu Cristo pregando na sinagoga de Cafarnaum, trabalho começado também em 1878 e finalizado um ano depois (Museu Nacional da Polônia, Varsóvia). Curiosamente, em 1876, Gottlieb se autorretratou como Assuero, o monarca persa pagão que desposou Ester, formosa hebreia, a quem fez rainha. Em 1879, pouco antes de morrer, Gottlieb pintou dois retratos femininos. Retrato de uma mulher judia mostra uma figura tradicional, um pouco distante e de olhar esquivo, enquanto Retrato de uma jovem japonesa introduz uma protagonista não só mais próxima do espectador, mas também com um olhar que encontra os olhos de quem a contempla.

Gottlieb, Retrato de uma jovem japonesa, 1879

Na Holanda, Jozef Israëls representou um leitor judeu que é conhecido como O rabino, o que não impediu o artista de pintar também O pescador, A costureira e O sapateiro. Relativamente tardia na carreira de Israëls é a sua pintura Um casamento judaico (1903), obra que de fato foi precedida por Crianças no mar (1872), Refeição de família de camponeses (1882) e Transporte de areia (1887), trabalhos inspirados todos em questões sociais, mas que não apresentam nenhuma especificidade judaica.

Israëls, Crianças no mar, 1872

Destacado entre os impressionistas e divisionistas foi Camille Pissarro, cujas iluminadas paisagens não lembram em nada ambientes ligados às tradições judaicas. Contudo, a aparência e a expressividade que caracterizam os Autorretratos de Pissarro sugerem um ser sensível e consciente de sua própria condição judaica. Nessas pinturas, o olhar triste de Pissarro parece refletir o injusto processo contra o capitão Alfred Dreyfus e o ressurgimento do antissemitismo por toda a Europa.

Pissarro, Autorretrato, 1900




Coluna Arte e Identidade 3. Tempos Modernos
Boletim ASA 160, Maio/Junho de 2016
Ano 28, Arte e Identidade 29 de Abril de 2016

PASSEPARTOUT. Artista plástico, arquiteto e historiador da Arte. Pesquisador sul-americano especializado em comunicação visual. Conferencista independente com 12 prêmios internacionais em Arte e Educação.

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