Versión castellana
Biblia hebraica, Espanha, 1476
Arte judaica tradicional é toda criação que responde aos propósitos rituais do povo hebreu. Tradicionalmente, a expressão "arte judaica" tem particular ressonância no que respeita às obras realizadas pelo ou para o povo hebreu da Antiguidade até os Tempos Modernos.
Na Bíblia, é a partir da entrega da Torá (Lei Mosaica) e da criação do Tabernáculo ao pé do Monte Sinai que a tradição hebraica insistirá na proibição de fazer ídolos e máscaras, conforme o Segundo Mandamento (Êxodo 20:4). É significativo que a arte hebraica tenha suas origens na mesmíssima voz do Criador, que, com alta precisão, indicou as especificidades do Tabernáculo, seus sagrados implementos e demais utensílios (Êxodo 25-31).
Realizada por Betsalel, o primeiro artista hebreu da História, a Arca Sagrada que continha as Tábuas da Lei era custodiada por dois querubins de ouro, enquanto motivos figurativos como flores de amendoeira (prahim) e maçãs (tapuhim) faziam parte da própria estrutura da Menorá, o candelabro hebreu de sete braços.
É um erro pensar que o judaísmo proíbe a arte. A tradição hebraica recorre ao embelezamento e à ornamentação de objetos de uso ritual há pelo menos 30 séculos. E emprega tanto a arte geométrica quanto a figurativa. Símbolos, motivos florais, seres reais e até fantásticos estão todos presentes na arte judaica tradicional.
Mas o Todo-Poderoso não é representado. Sem considerar o Tetragrama (quatro letras hebraicas que designam o Criador), a única representação conhecida na arte judaica é o motivo da Mão de Deus, visível nas pinturas murais tardo-romanas da Sinagoga de Dura Europos (Síria, 244 d.C.) e no primeiro painel do mosaico hebreu-bizantino de Beit Alfa (Galileia, séc. 6º d.C.).
Contudo, o judaísmo conta com uma considerável série de objetos de arte tradicional, destinados a funções rituais e que se destacam também por suas qualidades estéticas. Conhecido como Judaica, o conjunto desses objetos é concebido para servir ao Criador, o que motiva e justifica a sua ornamentação.
Entendida por Leopold Zunz como "pátria portátil" (séc. 19), a Torá, ou Bíblia Hebraica, envolve várias alusões à ideia de realeza, e estas se expressam através de uma rica ornamentação. A capa protetora da Torá, o seu peitoral (maguen), o ponteiro (iad), os florões (rimonim) e a coroa (kéter), todos são habitualmente decorados em estudados termos estéticos. Algo semelhante ocorre com os textos manuscritos da Torá, os filactérios (tefilin) e a mezuzá, onde sete dos 22 caracteres hebraicos sã tradicionalmente coroados com um tipo de ornamento florido conhecido como taguin.
Ornamentos da Torá e Taguin
Em Jerusalém, o Museu de Israel possui a mais completa coleção de Judaica do planeta. Nela se destacam a granada de marfim que enfeitava o cetro do sumo sacerdote do primeiro Templo de Jerusalém (séc. 8º a.C.); uma menorá gravada em gesso jerosolimitano e que data do século 1º a.C.; bases de vidro e placa de ouro com motivos hebraicos que foram achadas em catacumbas judaico-romanas do século 4º d.C.; relevos em basalto da Sinagoga de Horazin (séc. 4º- 6º d.C.); manuscritos hebraicos iluminados medievais e renascentistas, como a Hagadá das Cabeças de Pássaro e o Pentateuco de Ratisbona (ambos Alemanha, 1300), a Hagadá Sassoon (Espanha, 1320) ou a Miscelânea Rothschild (Ferrara, 1475); um prato de Pessach judeu-espanhol (1480); coleção de lâmpadas de Hanucá criadas entre os séculos 14 e 19; o interior de madeira de uma sinagoga de Cochin (Índia), inclusive o hechal e a bimá, ambos feitos em 1550; porta-especiarias metálicos tchecos elaborados no século 16 para o serviço de Havdalá (fim do Shabat); o Livro de Moisés, manuscrito hebraico ilustrado por Nehemiah ben Amshal (Pérsia, 1686); a Torá e o interior barroco da Sinagoga de Vittorio Veneto (Itália, 1703); o teto da Sinagoga de Horb (Alemanha), com ornamentos figurativos pintados por Eliezer Sussman sobre madeira (1793); um contrato de casamento judaico (ketubá) elaborado em Saná (Iêmen, 1793); caixas cilíndricas de madeira (tiquim) com ornamentos metálicos para preservar os rolos da Torá nas comunidades sefaradis do Magreb, Oriente Médio, Pérsia e Índia (séc. 19); e a Cadeira do profeta Elias, desenhada por Zeev Raban (Jerusalém, 1916-25). Todos se ajustam à nossa definição de arte judaica tradicional.
Colección de Judaica del Museo de Israel, Jerusalén
Notáveis coleções de Judaica estão preservadas também na Biblioteca Britânica, em Londres, no Museu Judaico de Praga, no Museu de Arte e História do Judaísmo, em Paris, no Museu Sefaradi de Toledo e no Museu Judaico em Nova York.
Com a modernidade dos séculos 19 e 20, a expressão "arte judaica2 é motivo de importantes debates, e a própria validade da expressão é questionada, chegando, eventualmente, a ser substituída pela noção de "experiência judaica" na arte moderna (Avram Kampf, 1984).
Contudo, a continuidade e o vigor da arte judaica tradicional são fatos inegáveis ‒ antes, durante e depois da Shoá. E mais: desde a criação do Estado judeu, em 1948, a arte judaica tradicional vem experimentando um importante renascimento, tanto na "Terra do Leite e Mel" como em alguns outros pontos do planeta. Recentemente, exemplos de arte judaica tradicional e de seu renascimento foram analisados e debatidos no Rio de Janeiro, especialmente durante o ciclo de três conferências intitulado Acervo e Memória, na ASA – Associação Scholem Aleichem, assim como em encontros no Centro de Estudos Bíblicos da ARI, na Escola de História da UniRio, no Instituto Cervantes e no Departamento de Teologia da PUC, durante a comemoração do 50º aniversário da Declaração Nostra Aetate.
Coluna Arte e Identidade 1. Arte e Raízes
Boletim ASA 158, Janeiro/Fevereiro de 2016
Ano 28, Arte e Identidade 28 de Dezembro de 2015
PASSEPARTOUT. Artista plástico, arquiteto e historiador da Arte. Pesquisador sul-americano especializado em comunicação visual. Conferencista independente com 12 prêmios internacionais em Arte e Educação.
Na Bíblia, é a partir da entrega da Torá (Lei Mosaica) e da criação do Tabernáculo ao pé do Monte Sinai que a tradição hebraica insistirá na proibição de fazer ídolos e máscaras, conforme o Segundo Mandamento (Êxodo 20:4). É significativo que a arte hebraica tenha suas origens na mesmíssima voz do Criador, que, com alta precisão, indicou as especificidades do Tabernáculo, seus sagrados implementos e demais utensílios (Êxodo 25-31).
Realizada por Betsalel, o primeiro artista hebreu da História, a Arca Sagrada que continha as Tábuas da Lei era custodiada por dois querubins de ouro, enquanto motivos figurativos como flores de amendoeira (prahim) e maçãs (tapuhim) faziam parte da própria estrutura da Menorá, o candelabro hebreu de sete braços.
É um erro pensar que o judaísmo proíbe a arte. A tradição hebraica recorre ao embelezamento e à ornamentação de objetos de uso ritual há pelo menos 30 séculos. E emprega tanto a arte geométrica quanto a figurativa. Símbolos, motivos florais, seres reais e até fantásticos estão todos presentes na arte judaica tradicional.
Mas o Todo-Poderoso não é representado. Sem considerar o Tetragrama (quatro letras hebraicas que designam o Criador), a única representação conhecida na arte judaica é o motivo da Mão de Deus, visível nas pinturas murais tardo-romanas da Sinagoga de Dura Europos (Síria, 244 d.C.) e no primeiro painel do mosaico hebreu-bizantino de Beit Alfa (Galileia, séc. 6º d.C.).
Contudo, o judaísmo conta com uma considerável série de objetos de arte tradicional, destinados a funções rituais e que se destacam também por suas qualidades estéticas. Conhecido como Judaica, o conjunto desses objetos é concebido para servir ao Criador, o que motiva e justifica a sua ornamentação.
Entendida por Leopold Zunz como "pátria portátil" (séc. 19), a Torá, ou Bíblia Hebraica, envolve várias alusões à ideia de realeza, e estas se expressam através de uma rica ornamentação. A capa protetora da Torá, o seu peitoral (maguen), o ponteiro (iad), os florões (rimonim) e a coroa (kéter), todos são habitualmente decorados em estudados termos estéticos. Algo semelhante ocorre com os textos manuscritos da Torá, os filactérios (tefilin) e a mezuzá, onde sete dos 22 caracteres hebraicos sã tradicionalmente coroados com um tipo de ornamento florido conhecido como taguin.
Ornamentos da Torá e Taguin
Em Jerusalém, o Museu de Israel possui a mais completa coleção de Judaica do planeta. Nela se destacam a granada de marfim que enfeitava o cetro do sumo sacerdote do primeiro Templo de Jerusalém (séc. 8º a.C.); uma menorá gravada em gesso jerosolimitano e que data do século 1º a.C.; bases de vidro e placa de ouro com motivos hebraicos que foram achadas em catacumbas judaico-romanas do século 4º d.C.; relevos em basalto da Sinagoga de Horazin (séc. 4º- 6º d.C.); manuscritos hebraicos iluminados medievais e renascentistas, como a Hagadá das Cabeças de Pássaro e o Pentateuco de Ratisbona (ambos Alemanha, 1300), a Hagadá Sassoon (Espanha, 1320) ou a Miscelânea Rothschild (Ferrara, 1475); um prato de Pessach judeu-espanhol (1480); coleção de lâmpadas de Hanucá criadas entre os séculos 14 e 19; o interior de madeira de uma sinagoga de Cochin (Índia), inclusive o hechal e a bimá, ambos feitos em 1550; porta-especiarias metálicos tchecos elaborados no século 16 para o serviço de Havdalá (fim do Shabat); o Livro de Moisés, manuscrito hebraico ilustrado por Nehemiah ben Amshal (Pérsia, 1686); a Torá e o interior barroco da Sinagoga de Vittorio Veneto (Itália, 1703); o teto da Sinagoga de Horb (Alemanha), com ornamentos figurativos pintados por Eliezer Sussman sobre madeira (1793); um contrato de casamento judaico (ketubá) elaborado em Saná (Iêmen, 1793); caixas cilíndricas de madeira (tiquim) com ornamentos metálicos para preservar os rolos da Torá nas comunidades sefaradis do Magreb, Oriente Médio, Pérsia e Índia (séc. 19); e a Cadeira do profeta Elias, desenhada por Zeev Raban (Jerusalém, 1916-25). Todos se ajustam à nossa definição de arte judaica tradicional.
Colección de Judaica del Museo de Israel, Jerusalén
Notáveis coleções de Judaica estão preservadas também na Biblioteca Britânica, em Londres, no Museu Judaico de Praga, no Museu de Arte e História do Judaísmo, em Paris, no Museu Sefaradi de Toledo e no Museu Judaico em Nova York.
Com a modernidade dos séculos 19 e 20, a expressão "arte judaica2 é motivo de importantes debates, e a própria validade da expressão é questionada, chegando, eventualmente, a ser substituída pela noção de "experiência judaica" na arte moderna (Avram Kampf, 1984).
Contudo, a continuidade e o vigor da arte judaica tradicional são fatos inegáveis ‒ antes, durante e depois da Shoá. E mais: desde a criação do Estado judeu, em 1948, a arte judaica tradicional vem experimentando um importante renascimento, tanto na "Terra do Leite e Mel" como em alguns outros pontos do planeta. Recentemente, exemplos de arte judaica tradicional e de seu renascimento foram analisados e debatidos no Rio de Janeiro, especialmente durante o ciclo de três conferências intitulado Acervo e Memória, na ASA – Associação Scholem Aleichem, assim como em encontros no Centro de Estudos Bíblicos da ARI, na Escola de História da UniRio, no Instituto Cervantes e no Departamento de Teologia da PUC, durante a comemoração do 50º aniversário da Declaração Nostra Aetate.
Coluna Arte e Identidade 1. Arte e Raízes
Boletim ASA 158, Janeiro/Fevereiro de 2016
Ano 28, Arte e Identidade 28 de Dezembro de 2015
PASSEPARTOUT. Artista plástico, arquiteto e historiador da Arte. Pesquisador sul-americano especializado em comunicação visual. Conferencista independente com 12 prêmios internacionais em Arte e Educação.
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